Bento XVI fala de São Bento


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 9 de Abril de 2008

São Bento de Núrsia

Queridos irmãos e irmãs!

Gostaria hoje de falar de São Bento, Fundador do monaquismo ocidental, e também Padroeiro do meu pontificado. Começo com uma palavra de São Gregório Magno, que escreve de São Bento: "O homem de Deus que brilhou nesta terra com tantos milagres não resplandeceu menos pela eloquência com que soube expor a sua doutrina" (Dial. II, 36). O grande Papa escreveu estas palavras no ano de 592; o santo monge tinha falecido 50 anos antes e ainda estava vivo na memória do povo sobretudo na florescente Ordem religiosa por ele fundada. São Bento de Núrsia com a sua vida e a sua obra exerceu uma influência fundamental sobre o desenvolvimento da civilização e da cultura europeia. A fonte mais importante sobre a sua vida é o segundo livro dos Diálogos de São Gregório Magno. Não é uma biografia no sentido clássico. Segundo as ideias do seu tempo, ele pretende ilustrar mediante o exemplo de um homem concreto precisamente de São Bento a subida aos cumes da contemplação, que pode ser realizada por quem se abandona a Deus. Portanto, tem-se um modelo da vida humana como subida para o vértice da perfeição. São Gregório Magno narra também, neste livro dos Diálogos, de muitos milagres realizados pelo Santo, e também aqui não quer narrar simplesmente algo de estranho, mas demonstrar como Deus, admoestando, ajudando e também punindo, intervenha nas situações concretas da vida do homem. Quer mostrar que Deus não é uma hipótese distante colocada na origem do mundo, mas está presente na vida do homem, de cada homem. 

Esta perspectiva do "biógrafo" explica-se também à luz do contexto geral do seu tempo: entre os séculos V e VI o mundo estava envolvido por uma tremenda crise de valores e de instituições, causada pela queda do Império Romano, pela invasão dos novos povos e pela decadência dos costumes. Com a apresentação de São Bento como "astro luminoso", Gregório queria indicar nesta situação atormentada, precisamente aqui nesta cidade de Roma, a saída da "noite escura da história" (cf. João Paulo II, Insegnamenti, II/1, 1979, p. 1158). De facto, a obra do Santo e, de modo particular, a sua Regra revelaram-se portadoras de um autêntico fermento espiritual, que mudou no decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua Pátria e do seu tempo, o rosto da Europa, suscitando depois da queda da unidade política criada pelo império romano uma nova unidade espiritual e cultural, a da fé cristã partilhada pelos povos do continente. Surgiu precisamente assim a realidade à qual nós chamamos "Europa". 

O nascimento de São Bento é datado por volta de 480. Provinha, assim diz São Gregório, "ex provincia Nursiae" da região da Núrsia. Os seus pais abastados enviaram-no para Roma para a sua formação nos estudos. Mas ele não permaneceu por muito tempo na Cidade eterna. Como explicação plenamente credível, Gregório menciona o facto de que o jovem Bento sentia repugnância pelo estilo de vida de muitos dos seus companheiros de estudos, que viviam de modo dissoluto, e não queria cair nos mesmos erros deles. Desejava aprazer unicamente a Deus; "soli Deo placere desiderans" (II Dial., Prol. 1). Assim, ainda antes da conclusão dos seus estudos, Bento deixou Roma e retirou-se na solidão dos montes a leste da cidade. Depois de uma primeira estadia na aldeia de Effide (actualmente Affile), onde durante um certo período se associou a uma "comunidade religiosa" de monges, fez-se eremita na vizinha Subiaco. Ali viveu durante três anos completamente sozinho numa gruta que, a partir da Alta Idade Média, constitui o "coração" de um mosteiro beneditino chamado "Sagrada Espelunca". O período em Subiaco, marcado pela solidão com Deus, foi para Bento um tempo de maturação. Ali tinha que suportar e superar as três tentações fundamentais de cada ser humano: a tentação da auto-suficiência e do desejo de se colocar no centro, a tentação da sensualidade e, por fim, a tentação da ira e da vingança. De facto, Bento estava convencido de que, só depois de ter vencido estas tentações, ele teria podido dizer aos outros uma palavra útil para as suas situações de necessidade. E assim, tendo a alma pacificada, estava em condições de controlar plenamente as pulsões do eu, para deste modo ser um criador de paz em seu redor. Só então decidiu fundar os seus primeiros mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco. 

No ano de 529 Bento deixou Subiaco para se estabelecer em Montecassino. Alguns explicaram esta transferência como uma fuga das maquinações de um invejoso eclesiástico local. Mas esta tentativa de explicação revelou-se pouco convincente, dado que Bento não regressou para lá depois da morte repentina do mesmo (II Dial. 8). Na realidade, esta decisão impôs-se-lhe porque tinha entrado numa nova fase da sua maturação interior e da sua experiência monástica. Segundo Gregório Magno, o Êxodo do vale remoto do Anio para Monte Cassio uma altura que, dominando a vasta planície circunstante, se vê ao longe reveste um carácter simbólico: a vida monástica no escondimento tem uma sua razão de ser, mas um mosteiro tem também uma sua finalidade pública na vida da Igreja e da sociedade, deve dar visibilidade à fé como força de vida. De facto, quando, em 21 de Março de 574, Bento concluiu a sua vida terrena, deixou com a sua Regra e com a família beneditina por ele fundada um patrimônio que deu nos séculos passados e ainda hoje continua a dar frutos em todo o mundo. 

Em todo o segundo livro dos Diálogos Gregório ilustra-nos como a vida de São Bento estivesse imersa numa atmosfera de oração, fundamento portante da sua existência. Sem oração não há experiência de Deus. Mas a espiritualidade de Bento não era uma interioridade fora da realidade. Na agitação e na confusão do seu tempo, ele vivia sob o olhar de Deus e precisamente assim nunca perdeu de vista os deveres da vida quotidiana e o homem com as suas necessidades concretas. Ao ver Deus compreendeu a realidade do homem e a sua missão. Na sua Regra ele qualifica a vida monástica "uma escola ao serviço do Senhor" (Prol. 45) e pede aos seus monges que "à Obra de Deus [ou seja, ao Ofício Divino ou à Liturgia das Horas] nada se anteponha" (43, 3). Mas ressalta que a oração é em primeiro lugar um ato de escuta (Prol. 9-11), que depois se deve traduzir em ação concreta. "O Senhor aguarda que nós respondamos todos os dias com os factos aos seus ensinamentos", afirma ele (Prol. 35). Assim a vida do monge torna-se uma simbiose fecunda entre ação e contemplação "para que em tudo seja glorificado Deus" (57, 9). Em contraste com uma auto-realização fácil e egocêntrica, hoje com frequência exaltada, o primeiro e irrenunciável compromisso do discípulo de São Bento é a busca sincera de Deus (58, 7) sobre o caminho traçado pelo Cristo humilde e obediente (5, 13), ao amor do qual ele nada deve antepor (4, 21; 72, 11) e precisamente assim, no serviço do outro, se torna homem do serviço e da paz. Na prática da obediência realizada com uma fé animada pelo amor (5, 2), o monge conquista a humildade (5, 1), à qual a Regra dedica um capítulo inteiro (7). Desta forma o homem torna-se cada vez mais conforme com Cristo e alcança a verdadeira auto-realização como criatura à imagem e semelhança de Deus. 

À obediência do discípulo deve corresponder a sabedoria do Abade, que no mosteiro desempenha "as funções de Cristo" (2, 2; 63, 13). A sua figura, delineada sobretudo no segundo capítulo da Regra, com um perfil de espiritual beleza e de compromisso exigente, pode ser considerada como um auto-retrato de Bento, porque como escreve Gregório Magno "o Santo não pôde de modo algum ensinar de uma forma diferente da qual viveu" (Dial. II, 36). O Abade deve ser ao mesmo tempo terno e mestre severo (2, 24), um verdadeiro educador. Inflexível contra os vícios, é contudo chamado sobretudo a imitar a ternura do Bom Pastor (27, 8), a "ajudar e não a dominar" (64, 8), a "acentuar mais com os factos do que com as palavras tudo o que é bom e santo" e a "ilustrar os mandamentos divinos com o seu exemplo" (2, 12). Para ser capaz de decidir responsavelmente, também o Abade deve ser homem que escuta "os conselhos dos irmãos" (3, 2), porque "muitas vezes Deus revela ao mais jovem a solução melhor" (3, 3). Esta disposição torna surpreendentemente moderna uma Regra escrita há quase quinze séculos! Um homem de responsabilidade pública, e também em pequenos âmbitos, deve ser sempre também um homem que sabe ouvir e aprender de quanto ouve. 

Bento qualifica a Regra como "mínima, traçada só para o início" (73, 8); mas na realidade ela pode oferecer indicações úteis não só para os monges, mas também para todos os que procuram uma guia no seu caminho rumo a Deus. Pela sua ponderação, a sua humanidade e o seu discernimento entre o essencial e o secundário na vida espiritual, ele pôde manter a sua força iluminadora até hoje. Paulo VI, proclamando a 24 de Outubro de 1964 São Bento Padroeiro da Europa, pretendeu reconhecer a obra maravilhosa desempenhada pelo Santo mediante a Regra para a formação da civilização e da cultura europeia. Hoje a Europa que acabou de sair de um século profundamente ferido por duas guerras mundiais e depois do desmoronamento das grandes ideologias que se revelaram como trágicas utopias está em busca da própria identidade. Para criar uma unidade nova e duradoura, são sem dúvida importantes os instrumentos políticos, econômicos e jurídicos, mas é preciso também suscitar uma renovação ética e espiritual que se inspire nas raízes cristãs do Continente, porque de outra forma não se pode reconstruir a Europa. Sem esta linfa vital, o homem permanece exposto ao perigo de sucumbir à antiga tentação de se querer remir sozinho utopia que, de formas diferentes, na Europa do século XX causou, como revelou o Papa João Paulo II, "um regresso sem precedentes ao tormento histórico da humanidade" (Insegnamenti, XIII/1, 1990, p. 58). Procurando o verdadeiro progresso, ouvimos também hoje a Regra de São Bento como uma luz para o nosso caminho. O grande monge permanece um verdadeiro mestre em cuja escola podemos aprender a arte de viver o humanismo verdadeiro.

Homilia do Cardeal Tarcísio Bertone

NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA 
PRESIDIDA NA BASÍLICA DE SANTA ESCOLÁSTICA

Subiaco, 15 de Julho de 2007

Nesta maravilhosa Basílica-Catedral de Santa Escolástica, um dos lugares da memória do grande São Bento de Norcia, encontramo-nos envolvidos por um clima beneditino, que é vida de oração e de trabalho manual e intelectual, que une a simplicidade à prudência a austeridade à doçura, a liberdade à obediência. 

Em primeiro lugar, desejo saudar e agradecer ao Reverendíssimo Dom Abade Mauro Meucci o seu convite, e a toda a Comunidade monástica a sua hospitalidade. É com prazer que saúdo inclusive, do íntimo do coração, todos os participantes na "III Oficina Sublacense". 

Quem chega a este lugar sagrado, proveniente do ruído caótico das cidades, encontra-se imerso num silêncio mais eloquente que todas as palavras que quotidianamente são transmitidas pela televisão e pelos jornais, ou pela confusa vozearia das conversas frívolas e inúteis. 

A este propósito, vem-me ao pensamento a narração de um homem que foi ter com um monge de clausura e lhe perguntou: "Que aprendes da tua vida de silêncio?". O monge estava a tirar água de um poço com o pequeno balde e disse ao seu visitante: "Olha dentro do poço! O que vês?". O homem olhou e disse: "Nada!". Depois de um pouco de tempo, permanecendo completamente imóvel, o monge disse ao visitante: "Olha agora! O que vês no poço?". O homem obedeceu e respondeu: "Agora vejo-me a mim mesmo: reflicto-me na água". Então, o monge disse: "Vê, quando mergulho o balde, a água agita-se. Mas agora a água está tranquila. Esta é a experiência do silêncio: o homem vê-se a si mesmo!". 

Temos necessidade do silêncio interior não só para nos compreendermos a nós mesmos, mas também para nos podermos reflectir na palavra de Deus, que hoje nos fala através das leituras há pouco escutadas e que nos propõem com clareza alguns temas de grande relevância pessoal e comunitária. A primeira chamada vem do livro do Deuteronómio e indica-nos a observância dos mandamentos como prova de sabedoria e de inteligência: "Obedecerás à voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus preceitos e as suas leis, escritos no livro da lei, e voltar-te-ás de novo para o Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma. Porque a lei que hoje te imponho não está acima das tuas forças, nem fora do teu alcance... Não, ela está muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração; e tu podes cumpri-la" (Dt 30, 10-11.14). Portanto, eis as palavras que devemos ter na boca e no coração. Não se trata de crer cegamente na lei (divina ou eclesiástica que seja), mas de compreender o sentido indispensável na nossa condição de criaturas limitadas e finitas. Sabemos que a força vem da vida de Cristo em nós, da sua caridade viva em nós; por isso, devemos acolher, conhecer, meditar e observar esta "lei" com amor, mas também "pedi-la" para obter o impulso interior em vista de a pôr em prática. 

Na obediência à lei de Deus estão contidas todas as boas obras que podemos realizar; as que são mais agradáveis a Deus. São Bento, exímio legislador da vida monástica, inseriu na "Regra" critérios de grande sabedoria humana. Lê-se no Prólogo: "Antes de qualquer outra coisa, deves pedir a Deus com orações insistentes que ele deseje levar a bom termo as obras de bem por ti começadas, para não ter que se entristecer pelas nossas más acções, depois de se ter dignado chamar-nos para ser seus filhos. Em retribuição aos seus dons, devemos-lhe a obediência contínua". 

Sabemos que a lei de vida da Igreja é a caridade, e que ela é o melhor caminho de todos, que modela e plasma todo o comportamento do cristão (cf. 1 Cor 12, 31; 13, 4-7), tornando-se desta forma o sinal distintivo dos verdadeiros discípulos. S. Tomás escrevia: "Etiam littera Evangelii occideret, nisi adesset interius Gratia". A lei é um esquema, que o amor deve preencher para vivificar. 

A segunda leitura, tirada da carta aos Colossenses, diz-nos que Jesus Cristo é a imagem do Deus invisível, gerado antes de todas as criaturas, porque por meio dele foram criadas todas as coisas, as do céu e da terra, as visíveis e invisíveis. Um primado do amor a Deus na vida humana manifesta-se já na simples consideração do facto da criação. Se tudo é criado por Deus, nada lhe pode passar despercebido. Portanto, cada criatura tende para a Fonte suprema do Ser; cada ser, mesmo o mais insignificante, se sente atraído para Deus, muito mais do que para si mesmo. No homem, este amor torna-se consciente e livre. Tender para Deus, somente como uma pedra tende para o centro da gravidade, seria menos nobre. Deus concedeu-nos o poder maravilhoso de dizer um sim que é o oposto de um não. Este amor consciente e livre é, desde o primeiro instante, elevado pela graça à finalidade sobrenatural da participação na vida trinitária, que é comunhão de amor. A ideia da comunhão como participação na vida trinitária é particularmente iluminadora: com efeito, a comunhão de amor que une o Filho ao Pai e aos homens é o modelo e, ao mesmo tempo, a nascente da comunhão fraterna, que deve unir os discípulos entre si. 

Consideremos agora a parábola do Bom Samaritano, que pudemos ouvir do Evangelho de Lucas, e reflictamos sobre o convite de Jesus: "Vai e também tu faz do mesmo modo". O Evangelho da caridade foi anunciado durante a história da humanidade como tarefa inderrogável dos discípulos de Cristo, e foi testemunhado sobretudo pela vida e pelas obras de bondade e de dedicação, realizadas por uma multidão de homens e de mulheres que, seguindo o exemplo de Cristo e de Maria, se debruçaram sobre a humanidade sofredora e necessitada, no gesto do Bom Samaritano.

"Assim a Igreja, apesar de todas as fragilidades humanas que pertencem à sua fisionomia histórica, revela-se como uma maravilhosa criação de amor, feita para aproximar Cristo de cada homem e de cada mulher que realmente quiser encontrá-lo, até ao fim dos tempos. E, na Igreja, o Senhor permanece sempre nosso contemporâneo. A Escritura não é algo que pertence ao passado. O Senhor não fala no passado, mas no presente, fala hoje connosco, dá-nos luz, indica-nos o caminho da vida, oferece-nos a comunhão e, assim, prepara-nos e abre-nos para a paz" (Bento XVI, Alocução da Audiência geral de quarta-feira, 29 de Março de 2006). 

Na parábola do Bom Samaritano, o conceito de "próximo" torna-se universal em relação à mentalidade dessa época, que considerava como próximo o familiar ou o concidadão. A fraternidade adquire o seu significado mais profundo. Com efeito, é Cristo, "o Primogénito de muitos irmãos" (Rm 8, 29), quem nos faz descobrir em cada pessoa humana, amiga ou inimiga, um irmão ou uma irmã. Dado que veio "não para julgar o mundo, mas para o salvar", Cristo chama todos os homens à unidade. 

Em São Bento temos um luminoso exemplo desta substancial mudança de mentalidade; em sintonia com o Evangelho, na sua época, mesmo no momento em que chegava tristemente ao seu fim a grandeza clássica do Império romano, num contexto socioeconómico onde predominavam a exploração e o arbítrio, opôs o espírito de fraternidade à violência, e o compromisso diligente à acídia, em vista de criar os pressupostos para uma retomada humana integral. 

No que se refere à caridade, não podemos deixar de recordar que Bento XVI dedicou a este tema a sua primeira Encíclica: Deus caritas est. No seu luminoso e excelso magistério, o Papa demonstra a realidade de Deus, que é amor, e da caridade que, vivida e praticada por parte da Igreja, chega a tornar-se uma manifestação do amor trinitário. Na caridade encontra-se "o centro da fé cristã: a imagem cristã de Deus e também a consequente imagem do homem e do seu caminho" (Deus caritas est, 1). 

Em conclusão, gostaria de dirigir o meu pensamento a Maria Santíssima, com as palavras conclusivas desta maravilhosa Encíclica do Papa Bento XVI: "Maria, Virgem e Mãe, mostra-nos o que é o amor e donde este tem a sua origem e recebe incessantemente a sua força. A Ela confiamos a Igreja, a sua missão ao serviço do amor: 

Santa Maria, Mãe de Deus,
Tu deste ao mundo
a luz verdadeira,
Jesus, teu Filho Filho de Deus.
Entregaste-te completamente
ao chamamento de Deus
e assim tornaste-te fonte
da bondade que brota dele. 

Mostra-nos Jesus.
Guia-nos para Ele.
Ensina-nos a conhecê-lo e a amá-lo,
para podermos também nós
tornar-nos capazes
do verdadeiro amor
e ser fontes de água viva
no meio de um mundo sequioso"
(Ibid., n. 42).

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II POR OCASIÃO DO XVII CENTENÁRIO DO MARTÍRIO DE SÃO BENTO

Ao venerado Irmão GERVASIO GESTORI
Bispo de San Benedetto del Tronto-Ripatransone-Montalto 

1. Venerado Irmão, a Comunidade diocesana confiada aos seus cuidados pastorais, prepara-se para comemorar solenemente os 1700 anos do martírio do seu Padroeiro, São Bento, do qual a própria cidade tem o nome. Sinto-me feliz, nesta ocasião, por lhe enviar, assim como aos fiéis da Diocese, a minha afectuosa saudação, expressando o profundo prazer por tudo o que desejais realizar para renovar a atenção e a devoção a este Santo mártir. A conservação cuidadosa das suas relíquias contribuiu para manter viva no povo cristão a memória, fortalecendo ao mesmo tempo a fé das gerações que ali se sucederam. Por conseguinte, é justo e obrigatório como nunca elevar um hino de louvor e de agradecimento ao Senhor, o qual, através da intercessão de São Bento, protegeu o caminho secular desta Cidade e dos seus habitantes. 

A história cristã, desde as suas origens, é rica de santos mártires. Trata-se, muitas vezes, de pessoas humildes e simples, que com coragem tiveram que enfrentar uma morte cruel, para não faltar ao seu amor a Cristo. Consiste nisto o valor do martírio, que não é desprezo da existência, mas acto de amor supremo e luminoso para com Jesus, único Salvador da humanidade. 

2. Estou certo de que esta data tão solene será uma ocasião apropriada para que toda a comunidade de San Benedetto tome renovada consciência das próprias raízes cristãs e testemunhe com maior consciência o Evangelho no actual momento histórico. Sei que, ao longo da sua história, ela teve que enfrentar várias dificuldades. As carestias, as pestes, as doenças, as tensões cívicas por vezes ameaçaram até a sua sobrevivência. Mas, em cada um desses momentos difíceis, os fiéis dirigiram-se sempre a São Bento, obtendo a sua poderosa intercessão. 

E agora, numa época radicalmente mudada, esta mesma Comunidade sente a necessidade de redescobrir o indómito fervor apostólico do santo Padroeiro para continuar a caminhar fielmente nas suas pegadas. Isto ajudá-la-á a guardar e a valorizar as próprias tradições religiosas, alimentando a esperança e a confiança no Senhor em todas as circunstâncias, como fizeram sempre os marinheiros e os pescadores, que constituem uma grande parte do tecido social da população de San Benedetto del Tronto. 

3. O testemunho intrépido do santo Padroeiro, o qual num contexto de paganismo difundido soube antepor todo o amor a Cristo, sirva de estímulo para todas as famílias para que compreendam cada vez mais a sua vocação e formem as novas gerações, com frequência distraídas por atracções e solicitações diferentes do Evangelho, para que não percam a estrada-mestra da perfeição cristã.

Os jovens olhem para o santo mártir Bento, haurindo do seu exemplo o estímulo para se entregarem a ideais nobres e exigentes, capazes de dar sentido pleno à sua existência. A juventude não tenha receio de fazer opções comprometedoras, vencendo a tentação do conformismo, o fascínio unicamente das aparências, a sugestão de liberdades prometedoras mas falazes. Ao contrário, lute por aquilo que conta verdadeiramente, e São Bento não fará faltar o seu apoio celeste a quantos corajosamente desejam segui-lo pelo caminho do ideal cristão. 

Venerado Irmão, desejo-lhe de coração, assim como a toda a Comunidade de San Benedetto, a alegria de uma nova primavera espiritual. 

Com estes desejos, envio-lhe de coração, assim como a toda a Comunidade de San Benedetto del Tronto a Bênção Apostólica. 

Castel Gandolfo, 10 de Agosto de 2004.

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II AO ABADE DE SUBIACO

POR OCASIÃO DOS 1500 ANOS DESDE O INÍCIO DA "SCHOLA DOMINICI SERVITII" FUNDADA POR SÃO BENTO

Ao dilecto Irmão D. MAURO MEACCI
Abade de Subiaco

1. É com alegria que tomei conhecimento do facto que a grande Família monástica beneditina deseja recordar com especiais celebrações os 1500 anos desde que São Bento deu início, em Subiaco, àquela «schola dominici servitii» que haveria de conduzir, ao longo dos séculos, uma imensa multidão de homens e de mulheres, «per ducatum Evangelii», a uma união mais íntima com Cristo. Desejo associar-me espiritualmente à acção de graças que a inteira Ordem monástica, nascida da fé e do amor do santo Patriarca, eleva ao Senhor pelas grandes dádivas com que foi enriquecida desde o início da sua história.

Já o meu venerado predecessor, São Gregório Magno, monge beneditino e ilustre biógrafo de São Bento, convidava a compreender num clima de grande fé em Deus e de intenso amor à sua lei, que animava a família de origem do Santo de Núrcia, as premissas de uma vida inteiramente dedicada a «buscar e servir a Cristo, único e verdadeiro Salvador» (Prefácio da Missa de São Bento). Crescendo e desenvolvendo-se no confronto com as vicissitudes da vida, esta tensão espiritual conduziu muito cedo esse jovem a renunciar às seduções da ciência e dos bens do mundo, para se dedicar à obtenção da sabedoria da Cruz e a conformar-se unicamente com Cristo.

De Núrcia a Roma, de Affile a Subiaco, o caminho espiritual de Bento foi guiado pelo único desejo de agradar a Cristo. Este anélito consolidou-se e aumentou nos três anos vividos na gruta do «Sacro Speco», quando «lançou aquelas sólidas bases de perfeição cristã, sobre as quais haveria de construir depois um edifício de extraordinária elevação» (Pio XII, Fulgens radiatur, 21 de Março de 1947).

A prolongada e íntima união com Cristo impeliu-o a congregar em torno de si outros irmãos, para realizar «aqueles grandiosos desígnios e propósitos aos quais fora chamado pela inspiração do Espírito Santo» (Ibidem). Enriquecido pela luz divina, Bento tornou-se luz e guia para os pobres pastores em busca de fé e para as pessoas devotadas, necessitadas de serem acompanhadas no caminho rumo ao Senhor. Após um ulterior período de solidão e de duras provações, há 1500 anos, com apenas vinte anos de idade, fundou em Subiaco, não distante da Gruta o primeiro mosteiro beneditino. Deste modo, o grão de trigo que optara por se esconder na terra de Subiaco e apodrecer na penitência por amor a Cristo, deu início a um novo modelo de vida consagrada, transformando-se em espiga túrgida de frutos.

2. Assim, a pequena e obscura Gruta de Subiaco tornou-se o berço da Ordem beneditina, da qual se desprendeu um luminoso farol de fé e de civilização que, através dos exemplos e obras dos filhos espirituais do santo Patriarca inundou, como recorda a lápide marmórea ali colocada, o Ocidente e o Oriente europeu bem como os outros continentes.

A fama da sua santidade atraiu multidões de jovens em busca de Deus, que o seu génio prático organizou em doze mosteiros. Ali, num clima de simplicidade evangélica, de fé viva e de caridade operosa, formaram-se São Plácido e São Mauro, primeiras gemas esplêndidas da Família monástica de Subiaco, que o próprio Bento educou «para o serviço do Omnipotente».

Para proteger os seus monges das consequências da feroz perseguição, depois de ter aperfeiçoado o ordenamento dos mosteiros existentes com a constituição de superiores idóneos, Bento tomou consigo alguns monges e partiu para Cassino, onde fundou o mosteiro de Montecassino, que logo haveria de tornar-se berço de irradiação do monaquismo do Ocidente e centro de evangelização e de humanismo cristão.

Também nesta vicissitude Bento demonstrou ser homem de fé, sem hesitações: confiando em Deus e esperando como Abraão, contra toda a esperança, acreditou que o Senhor haveria de continuar a abençoar a sua obra, apesar dos obstáculos apresentados pela inveja e a violência dos homens.

3. No centro da experiência monástica de São Bento há um princípio simples, típico do cristão, que o monge assume na sua plena radicalidade: construir a unidade da própria vida em torno da primazia de Deus. Este «tendere in unum», condição primária e fundamental para se entrar na vida monástica, deve constituir o compromisso unificador da existência do indivíduo e da comunidade, traduzindo-se na «conversio morum», que é fidelidade a um estilo de vida vivido de forma concreta na obediência quotidiana. A busca da simplicidade evangélica impõe uma verificação constante, isto é, o esforço de «fazer a verdade», remontando continuamente ao dom inicial da chamada divina, que se encontra na origem da própria experiência religiosa.

Este empenho, que acompanha a vida beneditina, é estimulado de modo particular pelas celebrações dos 1500 anos de fundação do Mosteiro, que terão lugar durante o Grande Jubileu do Ano 2000. O Livro do Levítico prescreve: «Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando no país a liberdade de todos os que o habitam. Este ano será para vós jubileu, cada um de vós recobrará a sua propriedade e voltará para a sua família» (25, 10). O convite a retornar à própria herança, à própria família, resulta particularmente actual para a Comunidade monástica beneditina, chamada a viver o Jubileu dos seus quinze séculos de vida e do Ano Santo como momentos propícios de renovada adesão à «herança» do santo Patriarca, aprofundando o seu carisma originário.

4. O exemplo de São Bento e a própria Regra oferecem significativas indicações para acolher plenamente o dom constituído por essas datas. Convidam, antes de tudo, a um testemunho de tenaz fidelidade à Palavra de Deus, meditada e acolhida através da «lectio divina». Isto supõe a salvaguarda do silêncio e uma atitude de humilde adoração diante de Deus. De facto, a Palavra divina revela as suas profundezas àquele que, mediante o silêncio e a mortificação, se torna atento à acção misteriosa do Espírito.

Enquanto estabelece tempos em que a palavra humana deve calar-se, a prescrição do silêncio regular orienta para um estilo caracterizado por uma grande moderação na comunicação verbal. Se for percebido e vivido no seu sentido profundo, este educará lentamente para a interiorização, graças à qual o monge se abre a um conhecimento autêntico de Deus e do homem. De modo particular, o grande silêncio nos mosteiros tem uma singular força simbólica de apelo àquilo que deveras vale: a disponibilidade absoluta de Samuel (cf. 1 Sm 3) e a entrega de si mesmo ao Pai, repleta de amor. Todo o restante não é removido, mas assumido na sua realidade profunda e, na oração, apresentado a Deus.

Esta é a escola da «lectio divina», que a Igreja espera dos monges: nela não se procuram tanto mestres de exegese bíblica, que se podem encontrar também noutros lugares, quanto testemunhas de uma humilde e tenaz fidelidade à Palavra, na pouco vistosa observação das coisas quotidianas. Deste modo, a «vita bonorum» torna-se «viva lectio», compreensível também por quem, desiludido com a inflação das palavras humanas, procura o que é essencial e autêntico na relação com Deus, pronto a captar a mensagem que deriva duma vida em que o gosto da beleza e da ordem se conjuga com a sobriedade.

A familiaridade com a Palavra, que a Regra beneditina garante ao reservar-lhe um amplo espaço no horário quotidiano, não deixa de infundir confiança serena, excluindo falsas seguranças e arraigando na alma o sentido vivo da total soberania de Deus. Assim, o monge é salvaguardado contra interpretações cómodas ou instrumentais da Escritura e introduzido numa consciência sempre mais profunda da debilidade humana, na qual brilha o poder de Deus.

5. Ao lado da escuta da Palavra de Deus está o empenho na oração. O mosteiro beneditino é sobretudo um lugar de oração, no sentido que nele tudo está organizado para tornar os monges atentos e disponíveis à voz do Espírito. Por este motivo, a recitação integral do Ofício divino, que tem o seu centro na Eucaristia e cadencia a jornada monástica, constitui o «opus Dei», no qual «dum cantamus iter facimus ut ad nostrum cor veniat et sui nos amoris gratia accendat».

O monge beneditino inspira o seu colóquio com Deus na Palavra da Sagrada Escritura, ajudado nisto pela austera beleza da liturgia romana, na qual essa Palavra proclamada com solenidade ou cantada com monodias, que são fruto da inteligência espiritual das riquezas nela contidas, desempenha um papel absolutamente preeminente em relação a outras liturgias, onde o elemento que mais impressiona são as esplêndidas composições poéticas, florescidas no tronco do texto bíblico.

Esta oração bíblica requer uma ascese de despojamento de si mesmo, que consente sintonizar-se com os sentimentos que o Outro deposita nos lábios e faz surgir no coração (ut mens nostra concordet voci nostrae). Afirma-se assim, na vida, a primazia da Palavra, que domina não porque se impõe com a força mas porque, fascinando, atrai de maneira discreta e com fidelidade. Uma vez que é aceite, a Palavra perscruta e discerne, impõe opções claras e introduz assim, mediante a obediência, na historia Salutis compediada na Páscoa de Cristo obediente ao Pai (cf. Hb 5, 7-10).

É esta oração, memoria Dei, que torna possível de maneira concreta a unidade da vida, apesar das múltiplas actividades: estas, como ensina Cassiano, não são mortificadas mas continuamente reconduzidas ao seu centro. É mediante o ritmo da oração litúrgica ao longo da jornada, através da oração pessoal livre e silenciosa dos irmãos, que no mosteiro se vem a criar um clima de recolhimento, graças ao qual os próprios momentos celebrativos encontram a sua verdade plena. Desse modo o mosteiro torna-se «escola de oração», isto é, lugar onde uma comunidade, vivendo intensamente o encontro com Deus na liturgia e nos diversos momentos da jornada, introduz nas maravilhas da vida trinitária todos os que procuram o rosto de Deus vivo.

6. Cadenciando na liturgia as horas da jornada e tornando-se oração pessoal e silenciosa dos irmãos, a oração constitui a expressão e a fonte primordial da unidade da comunidade monástica, que tem o seu fundamento na unidade da fé. De cada monge é exigido um autêntico olhar de fé sobre si mesmo e sobre a comunidade: graças a este, cada um acompanha os seus irmãos e se sente por eles acompanhado – não só por aqueles com quem vive, mas também pelos que o precederam e deram à comunidade a sua fisionomia inconfundível, com as suas riquezas e os seus limites – e, juntamente com eles, por Cristo, que é o fundamento. Se faltar esta concórdia essencial e se se insinuar a indiferença ou até mesmo a rivalidade, cada irmão começa a sentir-se «um entre tantos», com o perigo de se iludir de encontrar a sua realização em iniciativas particulares, que o impelem a procurar refúgio nos contactos com o exterior, em vez de os buscar na plena participação na vida e no apostolado comuns.

Hoje é mais urgente do que nunca cultivar a vida fraterna no interior de comunidades em que se pratica um estilo de amizade que não é menos verdadeiro, porque mantém a distância que salvaguarda a liberdade do outro. É este testemunho que a Igreja espera de todos os religiosos, mas em primeiro lugar dos monges.

7. De coração faço votos por que as celebrações dos 1500 anos desde o início da vida monástica em Subiaco constituam para essa comunidade e para a inteira Ordem beneditina uma renovada ocasião de fidelidade ao carisma do santo Patriarca, de fervor na vida comunitária, na escuta da Palavra de Deus e na oração, assim como de compromisso no anúncio do Evangelho, em conformidade com a tradição própria da Congregação de Subiaco.

Possa cada comunidade beneditina propor-se com uma sua identidade bem definida, como que «cidade colocada sobre o monte», distinta do mundo que a circunda, e contudo aberta e hospitaleira para com os pobres, os peregrinos e quantos se encontram em busca de uma vida de maior fidelidade ao Evangelho!

Com estes votos, que confio à intercessão da Santíssima Virgem, tão devotamente venerada e invocada nesse mosteiro e em todas as comunidades beneditinas, concedo de coração a Vossa Ex.cia e aos monges de Subiaco uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 7 de Julho de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II

VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A SUBIACO (ITÁLIA)

SANTA MISSA EM HOMENAGEM A SÃO BENTO NO XV CENTENÁRIO DE NASCIMENTO

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Praça da Resistência
Subiaco, 28 de Setembro de 1980

Caríssimos fiéis de Subiaco

1. Sinto-me feliz, no final da peregrinação com os Bispos Europeus à Sagrada Gruta, de poder encontrar-me convosco e testemunhar-vos o afecto profundo que nutro por esta vossa comunidade cujo nome, graças a São Bento, é conhecido no mundo inteiro. Com o Rev.mo Padre Abade, saúdo todos vós, e com especial intensidade de sentimentos, as pessoas anciãs e as que sofrem. A minha cordial saudação dirige-se também às crianças e aos jovens, que alegram com a sua presença festiva esta nossa assembleia litúrgica.

Reunimo-nos à volta do altar de Deus para celebrar o memorial da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Ouvimos a Leitura dos trechos bíblicos, que a Liturgia de hoje nos oferece e agora somos convidados a meditar as admoestações neles contidas: são palavras de censura e são palavras de promessa.

Neste lugar e neste momento, não podemos deixar de pensar que sobre estas páginas São Bento também fixou a própria reflexão durante a sua vida terrena. Com que eco profundo deveriam ter ressoado na sua alma as ameaças contra os ricos e contra as aberrações que acompanham habitualmente a posse de bens materiais excessivos!

E que íntima vibração de consenso e de adesão não teria suscitado nele a palavra de Paulo a Timóteo, que também nós acabamos de ouvir: "Mas tu, ó homem de Deus, foge de todas estas coisas, e segue a justiça, a paciência e a mansidão. Combate o bom combate da fé e conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e da qual fizeste solene profissão diante de muitas testemunhas" (1 Tim 6, 11-12).

2. Bento foi homem de Deus, e tomou-se tal, seguindo o caminho das virtudes tão claramente indicado pelos apóstolos. Seguindo-o constante e incessantemente. Ele foi um verdadeiro peregrino do Reino de Deus, um verdadeiro homo viator. Não parou ao longo da estrada e nem se desviou para caminhos mais fáceis. Todo o seu empenho foi orientado para seguir o comprometimento: combater o bom combate da fé para "guardar sem mácula e sem repreensão este mandamento, até à aparição de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tim 6, 14).

Nesta luta ele empregou todo o tempo que o Eterno Pai quis conceder-lhe nesta terra. Foi uma dura batalha que ele travou consigo mesmo, destruindo o "homem velho" e dando sempre mais lugar ao "homem novo", que cresce pela "aparição de nosso Senhor Jesus Cristo". E o Senhor, mediante o Espírito Santo, fez que esta transformação não permanecesse somente nele; na sua admirável providência dispôs que a experiência de Bento se tornasse uma fonte de irradiação, a penetrar a história dos homens, e sobretudo a história da Europa.

Subiaco foi e continua a ser uma etapa importante deste processo: o lugar do nascimento de São Bento de Núrsia e ao mesmo tempo o lugar da sua manifestação.

3. Bento foi homem de Deus, por que se esforçou por tornar a sua vida totalmente transparente ao Evangelho. De facto, não se contentou de ler o Evangelho com o fim de conhecê-lo: quer conhecê-lo para traduzi-lo, todo inteiro, em cada um dos aspectos da sua vida. Leu o Evangelho no seu conjunto e, ao mesmo tempo, cada trecho, cada perícope que a Igreja relê na sua liturgia, cada fragmento. De facto, em cada fragmento do Evangelho está contido, num certo sentido, o conjunto; o todo vive em cada fragmento, assim como cada fragmento vive do conjunto.

É nesta luz que devemos pensar neste trecho que hoje voltamos a ler aqui, isto é, a parábola do rico epulão e do pobre Lázaro: "Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo...".

O homem de Deus, Bento, vibrava em sintonia com o relato, enquanto lia com toda a profundidade da sua alma estas palavras eternas, num certo sentido absorvendo toda a simplicidade da verdade encerrada neste trecho. E a verdade é a que emerge, fulgurante, do exemplo de Cristo que — como realça São Paulo — "de rico que era, fez-se pobre por vós, para que vos tornásseis ricos por meio da sua pobreza" (2 Cor 8, 9).

4. A verdade portanto está numa profunda "inversão de tendência": ao desejo ardente de possuir sempre mais é necessário substituir o esforço do desprendimento dos bens da terra; à lógica da competição para apoderar-se de uma riqueza sempre maior, é preciso contrapor o esforço de levar a um justo bem-estar o maior número possível de homens; à mentalidade, que considera os bens materiais como, objecto de apresamento, é necessário fazer substituir a mentalidade que os considera como meios de amizade e de comunhão.

A riqueza, infelizmente, é de regra ocasião de divisão e incentivo à luta: ela deve tornar-se, pelo contrário, instrumento de comum participação na alegria de uma vida digna de seres humanos: riqueza, por conseguinte, como fonte de elevação para todos, na possibilidade de ter acesso aos valores da cultura, do conhecimento recíproco, da mesma experiência religiosa, favorecida por maior disponibilidade de tempo e pela interior libertação dos anseios de um futuro incerto.

São valores que podem ser entendidos somente pelo "homem novo" que, renascendo em Cristo, redescobre o verdadeiro significado das coisas.

É necessária a conversão do coração para poder olhar para as realidades do mundo com os olhos de Cristo, que, com a palavra e o exemplo, nos revelou que a verdadeira riqueza está no desprendimento, a verdadeira força no que se considera fraqueza, e a verdadeira liberdade em colocar-se voluntariamente ao serviço dos irmãos.

Bento, homem de Deus, assimilou esta "verdade" até nos seus recantos mais escondidos. Disto é prova a Regra, que se inspira nela em cada uma das suas partes: o monge é um homem que renuncia competir com os outros para os superar e dominar, mas esforça-se, ao contrário, em competir consigo mesmo no domínio das próprias ambições para se colocar ao serviço dos outros no amor.

Pois bem: o critério principal, que orientou São Bento na redacção das normas de convivência dentro do mosteiro, foi precisamente o da caridade recíproca, pela qual os "irmãos" deviam ser levados a uma atitude de constante atenção recíproca e de cuidadosa disponibilidade ao presta-rem um ao outro os serviços necessários.

Há um capítulo da Regra, o septuagésimo segundo, que traça um quadro sugestivo do relacionamento que devia instaurar-se dentro da família monástica. É uma página para a qual não só cada família cristã deveria olhar como para um estimulante ideal, mas pela qual pode reformar-se com proveito também a comunidade civil para dela haurir inspiração no ajustar os próprios relacionamentos de convivência.

Ao ilustrar, pois, "o fervor que deve animar com ardentíssimo espírito de caridade os monges", Bento estabelece: "antecipem-se um ao outro no reverenciar-se; suportem reciprocamente com grande paciência as suas enfermidades físicas e morais; esforcem-se pela obediência recíproca; nenhum procure o próprio proveito mas antes o do outro; nutram um para com o outro um casto amor fraterno; temam a Deus amando-O; ... não anteponham absolutamente nada a Cristo, que nos conduza todos à vida eterna" (VII, 3-9.11-12).

São indicações sem dúvida muito elevadas, cuja prática pode parecer reservada a poucos espíritos privilegiados. Não se deve esquecer, contudo, que semelhante ideal Bento ousou propor a homens provenientes de uma sociedade em decadência, em que predominavam o arbítrio, a violência e a exploração. E foi sobre a base destas normas que, do decrépito mundo de uma romanidade, reduzida já a uma larva inconsistente, puderam surgir em várias partes da Itália e da Europa os vigorosos núcleos sociais dos mosteiros, em que homens diferentes pela idade, raça e cultura se encontraram irmanados na obra ciclópica da construção de uma nova civilização.

6. Nestes valores também a nossa sociedade, interiormente corroída por perigosos germes de desagregação e de desfazimento, pode encontrar decisivos factores de coesão e recuperação. Bento oferece-nos a prova incontestável de como se pode fazer penetrar o Evangelho na história concreta dos homens, levando-lhe um dinamismo transformador, capaz de incalculáveis e benéficos desenvolvimentos. A experiência beneditina, vigorosa já pela aprovação de quase quinze séculos de história, está sob os nossos olhos para demonstrar-nos como o amor, que se abre aos irmãos para compartilhar com eles qualidades pessoais, energias e bens, se revela a verdadeira "mola" do progresso, a única capaz de fazer avançar a sociedade, sem nunca sacrificar o homem.

Oxalá Deus conceda que os homens de hoje acolham esta lição fecunda e se encaminhem com decisão, seguindo os exemplos de São Bento, pelas estradas do respeito recíproco, da abertura leal, da partilha generosa, do empenho concorde, numa palavra, pelos caminhos do amor. O futuro é construído não por quem odeia, mas por aquele que ama.

Reafirmamos isto nesta celebração litúrgica, na qual Cristo nos reúne à volta da sua mesa, para nos distribuir aquele Pão que de todos nós faz uma só coisa com Ele e n'Ele. A participação do Corpo e do Sangue do Senhor compromete os cristãos é bom recordar isto de vez em quando a serem no mundo as testemunhas do amor d'Aquele que, ao deixar-se pregar na cruz, "perdeu a própria vida" (Mt 10, 39) para consentir que o homem se reencontrasse consigo mesmo.