OBLATO: UM CRISTÃO DESEJOSO DE VIVER MAIS PLENAMENTE A VIDA CRISTÃ, SEGUINDO A ESPIRITUALIDADE BENEDITINA.
São Bento inicia a Santa Regra com essa palavra tão rica de sentido e significado: ESCUTA (filho os preceitos do Mestre). Na Bíblia, o homem é aquele que vive na presença do Absoluto (Deus, Transcendência infinita). O homem pode encontrar e conhecer a Deus, porque primeiro Deus conhece e encontra o homem. O sentido mais adequado para conhecer a Deus é a audição, porque o homem deve escutar a Deus e Deus encontra o homem na Palavra. São Bento nos ensina que Deus nos vê em todo lugar, mas ao homem cabe escutar a voz de Deus. Para São Bento o monge é aquele que escuta (obsculta) e obedece (audire – obaudire). Desse modo pode voltar a Deus (RB Prol. 2) e buscar a Deus (RB 58,7). O ouvido, portanto, é o principal órgão para a busca de Deus. Diz um provérbio árabe: “Deus dotou o homem de uma boca e dois ouvidos para que ouça o dobro do que fala”. A escuta passa a ser, então, um caminho para Deus. Como se dá na vida beneditina essa escuta, essa procura de Deus? Na solicitude ao Ofício Divino, que é a Palavra de Deus, na Escritura, através da lectio divina, e na obediência – obaudire –, isto é, na escuta.
São Bento também nos fala da docilidade e solicitude nos opróbrios, nas dificuldades, contrariedades dessa vida, para que não nos assustemos tentando logo fugir, mas que com a humildade e acolhendo no coração a Palavra de Deus, esse vai se dilatando, transformado nessa mesma Palavra, e então, como ouvimos no final do Prólogo, nós podemos correr no caminho dos mandamentos de Deus. A aventura espiritual de nossa vida, portanto, consiste em que Deus nos procura na sua Palavra e nós devemos escutá-la para podermos responder-lhe. Sim, meus irmãos e irmãs, procurar a Deus é ao mesmo tempo encontrá-lo. Deus primeiramente, como ouvimos, nos mostra o caminho da vida (RB Prol. 20) e, então, podemos correr para encontrá-lo e com Ele permanecermos. Vocês, hoje, são chamados a seguir o Senhor mais de perto. São chamados a darem testemunho, através da oração e do trabalho, de “como o Senhor é Bom”. Nessa escola do serviço do Senhor, que é o mosteiro, São Bento nos ensina, cada dia, a escutar com o coração, a obedecer em todo tempo, a permanecermos e a progredirmos correndo no caminho dos mandamentos de Deus, com o coração repleto de amor e de alegria, ao encontro desse Bom Pai. Porque a única forma de conciliar doçura e leveza de uma parte e estrita exigência e ascese de outra é buscando uma resposta no amor; pois nada é penoso quando se ama. “Onde está o teu tesouro, aí estará, também o teu coração”. Como tão bem expressou o salmista, “pelos prados e campinas verdejantes ele me leva a descansar” (Sl 22). Escutar e executar eficazmente o conselho de um bom pai, nada mais é do que fazer parte desse rebanho do Bom Pastor. Meus irmãos: Jesus é o Bom Pastor, Deus é esse bom Pai que conhece a cada um e que dá a sua vida por cada um de nós. Que essa celebração da entrada para o noviciado inunde de graças o coração de cada um, para que escutando e seguindo continuamente, o Bom Pastor, nada preferindo ao Seu amor, vocês possam glorificá-lo com a sua vida – que Ele nos conduza juntos para a vida eterna.
É comum as pessoas ao quererem saber o que significa oblato de São Bento, perguntarem: “o que faz um oblato”? Eu costumo responder que ele não faz, mas é. É um cristão (leigo ou sacerdote), que desejoso de viver mais plenamente a vida cristã, se filia a determinado mosteiro. Após a oblação são membros da comunidade do respectivo mosteiro, participando dos bens espirituais da comunidade, e na medida do possível acompanham a vida do mosteiro. Eles são chamados a viver a conversão dos costumes, cultivando a sobriedade e a simplicidade; a uma vida de oração de união com Deus, através da Celebração Eucarística e da recitação do Ofício Divino. Essa atitude repercutirá nos seus deveres de estado, impregnando do espírito evangélico as estruturas desse mundo: trabalho, família, círculos de amizade; para que em tudo seja Deus glorificado. Ao oblato cabe assumir no mundo sua vocação apostólica e contemplativa, “nada preferindo ao amor de Cristo”. A mensagem de São Bento é para todos os homens de todos os tempos, de todos os lugares e de todas as idades. A primeira razão ou motivação do interesse ainda hoje da mensagem de São Bento situa-se no fato misterioso, segundo o qual a vida beneditina se apresenta, quase paradoxalmente, de um lado, como depositária dos grandes valores religiosos e monásticos da antiguidade cristã e, de outro lado, como a forma de espiritualidade, cuja inculturação se faz em qualquer tempo e espaço, de acordo com as culturas do povo, da vida do leigo no mundo. Prova disso é que os mosteiros organizam os chamados grupos de oblatos que se compõem de leigos que desejam viver no mundo a Regra de São Bento, isto é, a espiritualidade beneditina. Respondem, assim, a uma vocação, assumem uma proposta do Senhor, um projeto espiritual de vida. Que seria uma espiritualidade beneditina? Seria explorar com mais fervor e pertinência aquilo que é um bem comum de toda a Igreja, de todo cristão. Que bem comum é esse? Podemos assim dizer: é a vivência profunda da Eucaristia, dos sacramentos, do louvor divino na Liturgia das Horas, que é a oração do Povo de Deus; é a vivência orante da Palavra de Deus, através da lectio divina, dos ensinamentos dos Santos Padres; enfim, o bem comum da igreja está todo centrado na Liturgia – e esse bem comum é de todo o Povo de Deus. Podemos definir, ainda, a espiritualidade beneditina, considerando os elementos evangélicos mais inculcados por São Bento, vividos no cotidiano. Esses elementos são: humildade, silêncio, obediência, oração, de modo particular a Liturgia das Horas e a lectio divina, o sentido pascal da vida, a paz, a discrição, o trabalho, o cuidado com os doentes, a condenação da murmuração, a pontualidade, a hospitalidade, o amor para com os pobres, os peregrinos, os idosos e as crianças. Esses elementos globalmente considerados constituem o espírito beneditino.
É por essa flexibilidade que a Regra de São Bento é ainda tão atual, mesmo tendo sido escrita há mais de quinze séculos. Ela é inculturada, adaptável no tempo e no espaço. Através do ORA ET LABORA, essa mensagem é também muito apropriada para o homem contemporâneo. São Bento busca a unidade entre fé e vida. Aceitando o projeto de vida que sonhou São Bento para seus discípulos, acatando-o e pondo-o em prática onde quer que vivam, estarão subindo a grande escalada da montanha que no cume encontrarão a Luz Beatífica.
Hoje, coincidindo a festa de São Bento com o sábado, em que normalmente fazemos a memória da Virgem Maria, poderíamos nos perguntar em que lugar da Santa Regra podemos perceber a presença de Maria? No acolhimento à Palavra de Deus; sua disponibilidade ao Senhor (“Eis a Serva do Senhor”); o aspecto cristocêntrico (Cristo no centro de sua vida). Peçamos, então, a intercessão de Maria para que nos ajude a sermos sempre mais do seu Filho fazendo tudo que Ele nos disser. Como Maria Mãe de Deus, Mãe da Igreja e nossa Mãe, sejamos anunciadores da Palavra, do Verbo feito carne. Que Maria, a aurora que anunciou o espírito beneditino como um novo sol na Igreja, seja, no Terceiro Milênio, o exemplo vivo para nós e para todos os cristãos chamados a ser outros Cristos na peregrinação terrestre, para iluminar a escuridão do mundo.
Amém.
Me. Martha Lúcia Ribeiro Teixeira, OSB
Extraído do site do Mosteiro Nossa Senhora da Paz
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